Meditações

Cristãos maduros ou eternos meninos espirituais

Por Maurício Zágari

O amadurecimento acontece constantemente, não podemos nos acomodar.

Eu estudei no Colégio de São Bento, no Rio, por todo o ensino fundamental e o médio (naquela época, a gente chamava de primeiro grau e científico). É uma escola sui generis, pois é a única do Brasil na qual ainda só estudam meninos. Lá, meninas não entram. Imagine, então, como é o comportamento dos alunos, num ambiente só de homens: muitas piadas desinibidas, tráfico de revistas pornográficas, brincadeiras brutas e um tipo de relacionamento muito masculinizado. Mas não ache que o ambiente é anárquico: o colégio, fundado pelos padres beneditinos, tem normas rígidas de disciplina, muita organização e um ensino puxado, que faz o São Bento ser o primeiro no ranking nacional do vestibular e do ENEM há décadas. Então minhas lembranças do ambiente onde estudei é de muita ordem e muito conhecimento, mas um tipo de relacionamento com os colegas cheio de testosterona e de uma certa infantilidade masculina nas brincadeiras de garotos. 

O tempo passou. Depois que fomos para a universidade, os colegas acabaram se distanciando. Cada um foi para um lado, construiu a própria vida, criou novos laços, seguiu rumos distintos. A vida foi em frente, nos casamos, tivemos filhos. Hoje, aqueles moleques adolescentes são pais de família, gordos, carecas, barrigudos. Nos tornamos homens. Amadurecemos. 

Bem… nem tanto.

Ano passado, um dos colegas da turma que se formou no São Bento em 1989 resolveu, 25 anos depois da nossa saída do colégio, criar um grupo no WhatsApp para reunir o pessoal. Quando fui incluído fiquei muito feliz, foi divertidíssimo ver a foto dos meus antigos amigos com a cara, hoje, que nossos pais tinham quando éramos estudantes. No começo foi aquela farra, a troca de fotos e vídeos da época (foi engraçado me rever em um vídeo de quando eu tinha 15 anos…), a explicação sobre o que cada um se tornou. Foi bem bacana. Só que o reencontro parece que despertou um lado saudosista nesses homens que fez com que começassem a se comportar como os meninos de 25 anos atrás.

A verdade é que o rumo das mensagens, dos vídeos e das fotos que passaram a ser trocadas começou a me incomodar. As piadas eram sempre bobas, com aquela agressividade típica de adolescentes implicantes. O que mais passou a ser enviado foram fotos e vídeos pornográficos, de sexo explícito. Junto, naturalmente, a comentários nada edificantes. Comecei a me ver inserido numa realidade incompatível com quem eu sou hoje. Mas a maioria dos meus colegas de escola parece que parou no tempo, se agarrou à forma de ser de 25 anos atrás e não avançou. E isso me incomodou a tal ponto que tive de pedir que não mais enviassem a pornografia e que maneirassem no linguajar. Pensa que adiantou? Que nada, só despertou uma onda de piadas e gozações comigo, que foram do questionamento da minha masculinidade a coisas que prefiro não dizer num ambiente cristão. Tudo por um apego emocional ao passado. E que tornou o grupo, que tinha tudo para ser muito legal, um ambiente insalubre para meus olhos e ouvidos. Hoje, o grupo é uma decepção para mim. 

Em nossa caminhada espiritual, muitas vezes agimos da mesma forma. Geralmente a época de nossa infância na fé, quando somos novos convertidos, é muito emocionante, marcante, cheia de descobertas. Porém, frequentemente, é repleta de erros, atitudes erradas, crenças pueris. É um engano acreditar que o “primeiro amor” ao qual devemos voltar é marcado por manifestações bobas e infantis de nossos primeiros passos na fé. O “primeiro amor” tem a ver com santidade e não com infantilidade espiritual. No entanto, muitos cristãos se agarram a praticas e crenças de sua época de crianças espirituais e se recusam a avançar rumo à maturidade religiosa e a patamares mais elevados de relacionamento com Deus. 

O resultado desse apego míope a realidades espirituais infantis e imaturas são cristãos que praticam exageros, têm crenças e atitudes bobas, que vivem uma fé baseada em caricaturas e crenças baseadas muito mais na sua cultura denominacional do que na Bíblia. São meninos e meninas que brigam com irmãos em Cristo por causa de crenças soteriológicas, que entendem que o palanque das conferências é mais importante que a visita a órfãs e viúvas, que citam mais falas de bons pensadores e escritores do que mencionam o Espírito Santo, que fazem troça de quem crê no que é diferente do que eles acreditam. Meninos. 

Paulo escreveu sobre a necessidade de amadurecermos na espiritualidade: “E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo. […] E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4.7,11-16).

Procure fazer uma autoanálise. Será que você não está agarrado a praticas e crenças da sua época de menino ou menina espiritual? Será que não está na hora de buscar avançar, crescer no conhecimento de Cristo, rumo a uma prática de fé mais madura? Você se interessa por estudar a Bíblia? Tem o hábito de ler bons livros cristãos, capazes de mostrar que muito do que você sabe e crê hoje está errado e deveria ser mudado? Será que você continua preso a bobagens e infantilidades que fazemos na época em que somos novos convertidos? Quem tem te discipulado? Quem é seu mentor espiritual, aquele que te conduz dia a dia rumo à maturidade espiritual que Deus espera de cada um de nós? Você continua ancorado ao passado, crendo e se comportando de modo pueril e, assim, agindo como um crente que nunca deixou de tomar leitinho espiritual? Está na hora de repensar isso. 

Acho que cresci um pouquinho nos últimos 25 anos. Não acho mais graça em ficar fazendo certas brincadeiras bobas com meus colegas de escola. Não aprecio mais ficar vendo revistinhas de mulher pelada. Meus valores, minhas crenças e minhas práticas mudaram e hoje busco me cercar de pessoas pacíficas e pacificadoras (maduras na fé, portanto), que fujam da agressividade, que valorizem o conhecimento teológico e sua transmissão com simplicidade. Quando vejo cristãos vaidosos, arrogantes, que amam mais sua bagagem teológica do que pessoas, que querem poder (intelectual ou sobrenatural) mais do que estender a mão em amor aos necessitados… sinto-me deslocado. E não tenho prazer em estar naquele grupo. Hoje, sendo um tiquinho mais maduro na minha espiritualidade do que há  20 anos, quando Jesus me converteu, sou levado a estar junto dos simples, dos amorosos, dos graciosos, dos abnegados, dos humildes de espírito, dos que fogem da vaidade e da soberba, dos que tratam quem discorda de si com respeito e amor, dos que convivem em paz com o diferente, dos que compreendem que o Jesus que expulsou os cambistas do templo é o Príncipe da Paz e o Manso Cordeiro. Maturidade espiritual faz isso: te aproxima dos puros de coração e te afasta dos pomposos, te aproxima dos amorosos e símplices e te leva para longe dos agressivos e sarcásticos. Te leva para perto da prostituta e da adúltera e te afasta dos fariseus apedrejadores. 

Enfim, amadurecer na fé é conformar-se à imagem do manso Cordeiro, que diz “perdoa, pois eles não sabem o que fazem”, e afastar-se dos ignorantes e imaturos que fazem chacota com os ignorantes e imaturos e mais querem punir do que restaurar. 

Tenho muito a amadurecer. Muito mesmo, pode acreditar. Mas só de não achar mais que vaidade teológica ou bairrismo denominacional é algo importante já me mostra que não curto mais as bobagens da infância e da adolescência espiritual. Estou na caminhada, com muito mais a crescer e evoluir. Mas, felizmente e por mérito exclusivo do Espírito Santo, hoje Deus já me incluiu na universidade daqueles que amam e procuram o diferente para amar e não para detonar. Se você quiser abandonar a infantilidade denunciada pela soberba e a agressividade no falar e aproximar-se do diálogo amoroso e da paz… vamos juntos nessa jornada. Pois os que amam o amor formam um grupo do qual tenho prazer de fazer parte. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari 

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