Meditações

Só Deus é absoluto

Por Maurício Zágari

Só Deus é absoluto. Somos humanos. Nossas ideias são humanas. Logo, erramos. Todos erramos. Entre pessoas não há absolutos, pois ainda colhemos os resultados da Queda.

O ser humano tem a tendência de escolher lados. Somos naturalmente inclinados a nos juntar a uma patota, a comprar um pacote pronto, a fugir do cinza para nos agarrarmos com unhas e dentes ao preto ou ao branco. Isso tem explicações psicológicas, antropológicas e sociológicas profundas, que vão desde o desejo inerente ao ser humano de pertencer a um grupo até o chamado “efeito manada”, mas essas explicações não cabem neste texto. O importante é ressaltar que o único âmbito da vida que exige de nós uma decisão absoluta é o espiritual: temos de optar entre luz ou trevas, Deus ou a falta de Deus. Toda mornidão fora disso é motivo para sermos vomitados da divina boca. Fora desse âmbito, porém, abraçar um lado absoluto no cardápio de escolhas da vida é abrir mão de oportunidades incríveis de crescimento e conhecimento. É por abraçar lados de forma radicalmente cega que pessoas que, por exemplo, descobrem o calvinismo ou o arminianismo se tornam tão fanáticas enquanto estão na jaula; que alguns pentecostais no primeiro amor veem demônio em tudo; que amantes de Bolsonaro acham que nem uma letra sequer do que Marx escreveu presta (sem ter lido Marx); que amantes de Lula acham que  o impeachment de Dilma foi um golpe (sem nunca terem lido a Constituição brasileira), e por aí vai. Vamos pensar sobre isso.

Antes de continuar, deixe-me fazer uma pergunta: só pelo que escrevi acima será que você já está pensando em me dar uma resposta malcriada no espaço de comentários deste post? Será que eu ter mencionado de forma crítica as suas paixões religiosas, políticas ou ideológicas já mexeu com suas entranhas? Será que eu sacudi o vespeiro de suas crenças e, por isso, tornei-me alguém que já não tem o mesmo valor e a mesma credibilidade aos seus olhos? Bem, confesso que fiz de propósito. Pois, se foi o caso, sugiro que leia com atenção este texto, pois é muito provável que, sem se dar conta, você esteja sofrendo de radicalismo cego.

“Como pode a luz conviver com as trevas? Que harmonia pode haver entre Cristo e o diabo?” (2Co 6.14-15, NVT). Paulo matou a charada: na opção entre Cristo e o que não é Cristo, não há meio-termo. Ou é um, ou é outro. Neste ponto não temos o que discutir. Mas… e no resto? Coerência significa abraçar o exclusivismo? Significa enfiar a cabeça em uma caixa e achar que o mundo se resume a ela? Uma opção descarta tudo de bom que as outras têm a oferecer? Um flamenguista não pode reconhecer que um jogador do Fluminense é um craque ou vibrar com uma belíssima jogada de um atleta do Corinthians? O amante de hinos antigos não pode reconhecer que aquele grupo musical de que ele não gosta compôs uma bela e cristocêntrica canção de louvor a Deus? Um presbiteriano não pode reconhecer que um pastor da Assembleia de Deus pregou um sermão correto e abençoador? Como funciona isso? Temos de ser inimigos absolutos de tudo o que não faz parte dos rótulos que colamos em nossa testa? Ou será que fazemos isso porque é mais fácil e cômodo jogar todo um pacote pronto no lixo do que ter trabalho de ir atrás?

Dois fatos recentes despertaram minhas reflexões sobre isso. Quando estourou na mídia o massacre da semana passada na Síria, que ceifou a vida de centenas de homens, mulheres e crianças e deixou milhares de feridos, rapidamente pessoas foram ao Facebook para dizer que se tratava de fake news (“notícia falsa”), pois já havia vazado um vídeo mostrando pessoas maquiadas para simular ferimentos de guerra. Parece que não conseguiam compreender que, apesar desse vídeo realmente falso, as notícias dos bombardeios é verídica e que a guerra civil de fato está acontecendo. Ou seja: ou é 100% fake, ou é 100% verdade. Só que não! Tais pessoas não conseguiam enxergar que, em meio às realidades do conflito, houve notícias fake, sim, mas que elas de modo algum apagam a veracidade dos horrores da guerra.

Outro fato foi a morte de Billy Graham. Graham era um arminiano. Por essa razão, não demorou e logo começaram postagens de calvinistas no facebook desqualificando todos os 99 anos de vida desse extraordinário homem de Deus, tudo o que ele fez a serviço do Reino, todo exemplo que ele deu, todo sermão que pregou, todo livro que escreveu, toda a sua influência na história. Tais pessoas não conseguiam dissociar preferências por um sistema teológico do amor de Graham por Cristo e de uma vida sincera e exemplar aos pés do Mestre. Ou seja: se é arminiano não presta, logo, nada do que fez e falou presta. O que é um enorme absurdo.

Postei recentemente uma foto minha com a candidata à presidência Marina Silva no Facebook, para falar sobre a importância de ouvir a todos, participar de diálogos, aprender com aqueles que detém vivência e conhecimentos que não temos, mesmo que discordemos deles em muitas coisas. Fui apedrejado. Começou uma avalanche de comentários reducionistas na postagem, como “ela é comunista, logo, não presta”. Isto é, como de fato Marina tem um passado em movimentos de cunho esquerdista, todo seu conhecimento sobre a questão ambiental, por exemplo, deve ser desconsiderado, ignorado, jogado no lixo por quem é de direita? Que cabeça-oca faz algo assim? Será que as pessoas que professam aquilo em que acredito acertam em absolutamente tudo e as que não professam não acertam em absolutamente nada? Não podemos extrair nada que preste de quem não é da nossa patota? A resposta, para uma pessoa honesta que para por dez segundos a fim de refletir, é óbvia.

Tenha cuidado, meu irmão, minha irmã, com esses absolutos. Só Deus é absoluto. Nenhum sistema teológico, ideologia política, candidato, pastor, denominação religiosa, pregador ou o que for acerta em absolutamente tudo ou erra em absolutamente tudo. Temos de usar a inteligência e a informação. Já peguei erros crassos em textos de teólogos que considero estar entre os melhores de nossos tempos. Já vi pregadores de renome cometerem equívocos bíblicos grosseiros. Somos humanos. Nossas ideias são humanas. Logo, erramos. Todos erramos. Entre pessoas não há absolutos, pois ainda colhemos os resultados da Queda.

Não falo de política aqui no blog APENAS. Mas o fato de este ser um ano eleitoral nos serve de excelente exemplo para esta reflexão. Prepare-se, pois milhões de fake news vão inundar a mídia, a timeline do seu facebook, o seu twitter. É gente que se aproveitará das paixões de pessoas radicais, que abraçam pacotes pré-fabricados sem buscar meios-termos ou sem ter apurado a verdade dos fatos para manipulá-las em prol de suas agendas eleitorais. Lamentavelmente, como há muitos ingênuos, preguiçosos ou desinformados, que repetem tudo sem investigar, se informar ou ponderar, haverá milhões de pessoas sendo usadas como massa de manobra para ajudar a divulgar mentiras sobre políticos e tentar definir as eleições. Entre elas, lamentavelmente, muitos cristãos.

Existe um método para se tentar chegar à verdade que começou na filosofia grega, com pensadores como Sócrates e Aristóteles, influenciou pensadores de séculos recentes, como Kant, e alcançou, em minha opinião, o ponto alto de seu desenvolvimento com o filósofo alemão Hegel, chamado “dialética”. A dialética consiste em pegar uma ideia (a “tese”) e confrontá-la com uma ideia diferente ou oposta (a “antítese”), a fim de se chegar a uma terceira conclusão, melhor e mais depurada (a “síntese”). É isso que devemos fazer para tudo o que não se enquadra em “Deus ou não Deus”: pegue tudo o que lhe dizem, confronte com ideias diferentes e, retendo o que é bom, chegue às melhores conclusões para a vida, sem tornar-se escravo de patotas, sistemas, grupos ou ideologias. Seja autêntico.

Meu irmão, minha irmã, não se deixe ser usado. Não vire um papagaio repetidor de frases e ideias pré-fabricadas na mão de sistemas teológicos, de teólogos exclusivistas e que tentam vender sua percepção de cristianismo de forma anticristã, de políticos sem ética, de cristãos sem compromisso com o cristianismo. Perfeito, só Deus. Investigue. Pondere. Use seu coração, sim, mas também o seu cérebro. Se você é de esquerda ou de direita, veja o que existe de bom no outro sistema. Se vê alguém advogando justiça social e melhores condições de vida para os pobres, pare de taxá-lo de comunista. Se vê alguém advogando meritocracia e empreendedorismo, pare de chamá-lo de fascista. Não seja raso. Não seja tolo. Dialogue. Ouça com atenção. Veja os defeitos ideológicos e pessoais do seu candidato a cargos eleitorais e leve-os em conta. Analise os erros de posicionamento da sua denominação religiosa ou tradição doutrinária e leve-os em conta. Você não precisa concordar com absolutamente tudo.

E, ao desenvolver essa forma seletiva de percepção, você será capaz de pôr em prática o que Paulo ensinou: “ponham à prova tudo que é dito e fiquem com o que é bom” (1Ts 5.21-22, NVT).

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari

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